Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca
Descrição de chapéu Chuvas no Sul Governo Lula

Autoritarismo não é resposta às fake news

Recriar confiança básica é mais importante que refutar fake news

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O Estado não faz nada, é incompetente no pouco que faz e até mesmo sabota os esforços da iniciativa privada. Segundo levantamento do professor da USP Pablo Ortellado, 31% dos conteúdos compartilhados sobre as enchentes no RS na rede social X tentam descredibilizar o poder público.

Em muitos, há informações falsas, como a de que toda a tragédia foi planejada. Em outros, são informações exageradas, como a de que o governo teria negado ajuda do Uruguai e que caminhões com donativos estão sendo barrados por falta de nota fiscal.

Num momento de crise, com nervos à flor da pele, sociedade polarizada e smartphones nas mãos de todos, é quase inevitável que muito conteúdo falso e/ou com forte teor político venha à tona. Misturam-se aí várias motivações: busca por fama ou dinheiro, oportunismo político e até mesmo equívoco sincero na intenção de ajudar. A questão é como reagir a ele.

Região central de São Leopoldo, município da região metropolitana de Porto Alegre, completamente alagada pelas fortes chuvas no Rio Grande do Sul
Região central de São Leopoldo, município da região metropolitana de Porto Alegre, completamente alagada pelas fortes chuvas no Rio Grande do Sul - Pedro Ladeira - 8.mai.24/Folhapress

A reação da Secom do governo federal até agora tem sido o confronto direto. Em primeiro lugar na Justiça, segundo ofício enviado ao ministro da Justiça para tomar medidas legais contra diversos perfis. É uma peça de indisfarçável autoritarismo. Dentre os conteúdos que levaram a Secom a recorrer à Justiça está a opinião veiculada por uma influenciadora de que "o Estado não estaria fazendo nada, mas apenas a sociedade civil".

É óbvio que essa opinião é totalmente sem base —e que ela parte de certos interesses políticos—, mas ela é isto: uma opinião, e não a asserção de um fato concreto que não ocorreu e que pode enganar as pessoas. Imagine a distopia de milhares de cidadãos sendo processados —multados e quiçá presos— por escrever textos ou gravar áudios com exageros e críticas injustas ao governo. A boa notícia é que, além de ditatorial, isso seria impossível. A não ser que optemos por um controle das redes de nível chinês (que inclui banir aplicativos estrangeiros), o governo não tem como lidar com o volume de conteúdo gerado.

Numa coisa estou de pleno acordo com o ofício da Secom: "É fundamental que ações sejam tomadas para proteger a integridade e a eficácia das nossas instituições frente a tais crises". Mas essas ações têm que ser pensadas com inteligência, para não tornarem o problema ainda maior.

Olhamos muito para o lado da oferta —quem veicula as tais fake news e conteúdo polarizante—, e pouco para o da demanda: quem consome e compartilha. O post é compartilhado na medida em que entrega o que o público quer, ou seja, confirma seus desejos e vieses. E hoje, parte expressiva da sociedade olha com desconfiança tudo o que venha das instituições estabelecidas, vistas como corruptas e incompetentes.

Reconstruir uma confiança básica é muito mais importante do que refutar uma ou outra fake news que circula graças à desconfiança. E isso significa baixar a sensação de que metade da população (no Sul, muito mais) é vista como inimiga pelo governo. Falar com prontidão, simplicidade e transparência pode ser melhor que acusar e processar.

Surgiu a denúncia de que o governo rejeitou a ajuda do Uruguai? Em vez de sair acusando de fake news —que foi o que o governo fez— por que não explicar a realidade toda de maneira aberta? O Uruguai ofereceu um avião, que foi rejeitado pelas dificuldades técnicas de trazê-lo, e um helicóptero, que foi aceito e já estava em operação. Baixar a temperatura em vez de partir para o combate. E, claro, estar sempre comunicando e contando sua história de "união e reconstrução". Imagens de funcionários públicos e voluntários trabalhando lado a lado fazem um bem maior do que ficar discutindo qual lado é melhor.

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